sexta-feira, setembro 05, 2008

Amorfa forma

Eu era um contador de sonhos. Um belo criador de histórias, que destrinchava todas as minhas verdades e mentiras em palavras cuidadosamente selecionadas. Sabia e fingia bem saber o que queria e o que não queria. Tudo o que amava e detestava. Sabia pedir antes mesmo de escolher, e sabia cantar, antes que inventassem a letra e a melodia de uma música.

Muito cedo aprendi e respeitei a minha previsibilidade, dia após dia, vivenciava e apreciava o enjoativo sabor do conhecimento do futuro. Futuro que sempre se confundia com o meu pretérito, quando me esquecia de já ter previsto, ou pensava prever o que já tinha vivido.

Por muito tempo fui e me deixei ser assim, até que a história mais difícil de ser contada me apareceu. Eu podia vê-la como seria, sentir como seria, mas não podia contá-la e nem tampouco vivê-la. Sim. Porque para se contar bem uma história, deve-se vivê-la na minimalidade dos fatos, no rubor da tinta e nas apertadas entrelinhas. E isso foi tudo o que não me aconteceu. Não por não saber criar o enredo, colocar rédeas no ritmo, ou achatar linhas distintas. É que dessa vez, a personagem principal fugia ao meu léxico.

Era uma mulher cuja idade e imagem eu desconhecia. Mas que era bela e mais sábia que eu, eu sabia. Pelas artimanhas da vida eu ocasionalmente a conhecia, em ambiente típico, tão logo me encantava e depois apaixonado me via – ou pensava estar. Ela parecia corresponder, me olhava nos olhos com a mesma precisão, sem desviar. O seu cheiro era sabor, tão qual um perfume de rosa sem cor. E o seu toque, que tão poucas vezes provei... eu não sei descrever.

Foi assim que toda a confusão começou. Eu não tinha dinheiro ou qualquer posição, apenas as velhas e gastas palavras que sempre usava e que no acaso sempre retomava para sair-me de qualquer situação. Mas não com ela, que adjetivos penosamente vestiam e que verbos nunca moviam. Eu me desesperei.

Comprei dicionários, aprendi novas línguas, para ter essa mulher só e inteira pra mim, através da única coisa que sabia dominar, as palavras. Quem me dera ela fosse um verbo desconhecido, mas conjugável. Eu mais cedo ou mais tarde a decifraria.

Queria continuar e terminar de criar a história, e quem sabe até, escrever um final feliz. Mas não podia, não conseguia. Faltavam-me substantivos, verbos, advérbios, adjetivos e até os míseros numerais que nem a quantificar podiam. Eu já não tinha nada, e as palavras que agora não me serviam, me qualificavam como um completo incapaz.

Demorou um certo tempo, até que ela pudesse perceber a minha incompetência. Cansou de esperar, de ter que em vagas palavras filosofar. Cansou do meu contar prolixo e sem nexo algum. Me deu mais de uma chance. Tentou, e tentou até cansar, até que em seguida me deixou.

Parei de escrever desde então, e hoje vago à procura de outra arte que jamais possa me desamparar.

Quanto a ela, ouvi que encontrou calor nas mãos de um escultor, que modela sua vida com forma e solidez. Ele não é de falar muito, mas a faz satisfeita, pois sempre se encontra onde é preciso estar. Ela sente a paixão e a vivacidade da vida. Ele a faz ser feliz, o que eu... só poderia contar.

4 comentários:

Anônimo disse...

muito bom
parabns

valeu pelo coment
abraço

Eva disse...

UaU!
per
fei
to.

meu pai é foda!

Eva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Eva disse...

paie,

que estoria linda..
roia as unhas ao ler,
querendo saber ele conseguiria decifra-la..

=(