terça-feira, março 04, 2008

Verde-Clorofila

Completamente branca. Foi assim que ela primeiro me apareceu. No entanto, com o passar do tempo, inevitavelmente de azul se preencheu. Não era um azul uniforme, que na posterioridade pudesse esconder a sua origem branca. Eram, na verdade, traços finamente azulados, que juntos pareciam fazer algum sentido.

Fiquei a observá-la, e após contemplar visualmente a sua transformação, tomei-a nas mãos e fui sentir seu cheiro: um pouco de tudo, foi o único odor que consegui identificar. Desconfiei, então, do seu passado. Por guardar tantos cheiros assim, ela já devia ter sido tocada por muitos e muitas. Eu não.

Ignorei a advertência do olfato e pedi a opinião do meu tato: não cheguei a me admirar, confesso, ao sentir sua textura gasta e um pouco velha, que suavemente pude perceber. Ela possuía traços que, além dos azulados, revelavam que ali havia um bom bocado de vida vivida.

Foi então que percebi como aquela situação estava se tornando deveras estranha, por ela finalmente me parecer familiar. A cada novo olhar que eu a remetia, ela se tornava incrivelmente mais azul.

Parei de escrever.

E finalmente pude entender como eu era fortemente semelhante àquela folha de papel, que vazia e limpa aconteceu, e que com o passar do tempo e o gastar de tinta, de azul se preencheu.

É claro que, no meu caso, além do azul, muitas outras cores também me pintaram. Muitas delas eu jamais pensei que existiriam, e outras que, por serem tão exóticas, já nem me lembro dos nomes. Lembro do vermelho clichê do beijo de amor de uma paixão qualquer, do cinza nebuloso que por avisar a eminente chuva, me fez permanecer em casa, do azul-céu que hoje é tinta para caneta, do verde das árvores que perderam em exuberância para se tornarem meras folhas de papel, e de muitas outras.

Eu tinha, era me perdido nas cores, até em mim, não sobrar cor alguma.

Invejei, momentaneamente, aquela folha por ser agora apenas azul e branco, não sei por quê. Mas dei, em seguida, um sorriso monocromático, meio em preto e branco, ao lembrar que no passado eu fui tão colorido quanto ela foi. E que assim como eu, ela também possui apenas duas cores; ainda que em nossa essência guardemos um pouco do verde-clorofila, bem parecido com o da esperança em tornar-se multicor.

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